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Como os sucessores de Ivo Holanda ajudam a contar a história do nosso tempo

Chico Barney

24/07/2018 11h53

(Foto: Divulgação/SBT)

Ivo Holanda completou 83 anos no mês passado. Proclamado pelo público como o 'rei das pegadinhas', é um longevo caso de sucesso. Assim como Chaves ou o próprio Silvio Santos, o o humorista é uma das mais reconhecidas marcas do SBT, onde há 30 anos aplica divertidos golpes em transeuntes por intermédio de câmeras escondidas.

Assim como seus supracitados colegas de emissora, o nobre senhor Holanda continua dialogando com o universo temático de sua origem: esqueletos caminhando em cemitérios, tortas na cara e outros tipos de constrangimentos quase dadaístas. Me parece o caminho natural das coisas. Mas a seara dos trotes televisivos evoluiu bastante ao longo das últimas décadas.

Gostaria de comentar a respeito de três produções recentes dos Estados Unidos da América, berço da humilhação pré-gravada graças a iniciativas pioneiras como Candid Camera e os filmes da DC. Mais do que simplesmente sacanear interlocutores aleatórios, são programas com alvos muito bem definidos e métodos absolutamente sofisticados. Veja a seguir.

Who is America?

'Puppy Pistols' (Foto: Divulgação/Showtime)

Sacha Baron Cohen encantou o mundo com o filme Borat. Agora ele dá corda para conservadores e liberais se enforcarem no sensacional "Who is America?", da Showtime. Disfarçado de 4 diferentes personagens, o comediante já conseguiu fazer com que Dick Cheney confessasse qual foi sua "guerra favorita", além de levar Bernie Sanders às raias da loucura ao usar notícias falsas para provar seu ponto.

Erran Morad, um dos personagens mais surreais de Cohen, é um expert em anti-terrorismo de Israel. Em determinado episódio, ele ensina um político a se livrar de eventuais violências do Estado Islâmico: correr de costas com as nádegas desnudas. Em outra oportunidade, fez um lobista da NRA (National Rifle Association) gravar um comercial para armas pensadas exclusivamente para crianças pequenas. Além disso, conseguiu o depoimento de vários conservadores apoiando o fictício "Kindenguardians", projeto para ensinar crianças de "12 a 4 anos" como manejar as armas de fogo.

O programa dá uma boa noção da insanidade retórica e intelectual pela qual a classe política está passando. Uma mistura fascinante de desinformação com má fé, muito bem temperada pela inerente vontade de aparecer. É incrível a facilidade com que Cohen consegue convencer políticos a surgirem na televisão com a bunda de fora – e não digo isso apenas metaforicamente.

Clique para ver um trecho de "Who is America".

The Eric Andre Show

Um episódio qualquer (Foto: Divulgação/Adult Swim)

O talk show de Eric Andre é quase tão caótico quanto genial. O apresentador começa destruindo o cenário inteiro a cada episódio, apenas para remontá-lo de um jeito cada vez mais relaxado ao longo das temporadas (já são 4, com a derradeira a caminho). Os artistas convidados passam por todo tipo de perrengue: sofrem com o ar quente, são atacados por insetos ou, eventualmente, obrigados a ver Andre desfilar nu com a cabeça enfiada em um frango.

Em 'pegadinhas' na rua, o público é constrangido e deixado de lado sem maiores explicações. Andre leva o absurdo de quadros como o de Ivo Holanda às últimas consequências. O amigo telespectador também é uma recorrente vítima do comediante, que se esforça para frustrar as expectativas de todos de maneiras cada vez mais engenhosas.

O humor de Eric Andre parece apenas idiota e escatológico em uma primeira impressão, mas quando a audiência percebe que a sacanagem é principalmente com ela, tudo fica mais interessante. As influências de Tex Avery e Space Ghost de Costa a Costa são a cereja do bolo.

Clique para ver um trecho de "The Eric Andre Show".

Mostly 4 Millennials

Hashtag é coisa de jovem! (Foto: Divulgação/Adult Swim)

O programa do Adult Swim é apresentado por Derrick Breckles, roteirista do talk show de Eric Andre, que também assina a produção. Os dois programas guardam muitas semelhanças, mas enquanto Andre atira para todo lado, o recorte de M4M é mais específico – o fascinante universo dos millennials. Os nomes de cada episódio são palavras de ordem das redes sociais: "empoderamento", "diversidade", "sentimentos & emoções".

Mais do que rir da rapaziada mais nova, a proposta passa por expor a forma idiota como esse público é retratado pela mídia. Difícil não lembrar de marcas que se apropriam de maneira vazia e apática dos discursos que representam causas importantes. Tudo no programa parece uma bad trip regada a muitos testes e listas do Buzzfeed. Por mim, tudo bem.

O tema de cada episódio é revelado por um falcão de computação gráfica chamado "Millennial Falcon". Os convidados são figuras populares na internet, com direito a vinheta para "conteúdo viral" quando é o caso. Ninguém está preparado para participar de um programa assim, e os resultados são sempre fascinantes.

Mostly 4 Millennials é ainda mais frenético que The Eric Andre Show. O último episódio da primeira temporada foi ao ar domingo passado nos Estados Unidos. Tenho cá minhas dúvidas se será renovado.

Clique para ver o trailer de "Mostly 4 Millennials".

Criadores como Sacha Baron e Eric Andre estão reagindo ao zeitgeist de maneira brilhante, uma pegadinha por vez. Dessa forma, nos ajudam a compreender melhor esses tempos bicudos em que vivemos.

O legado de Ivo Holanda segue mais vivo do que nunca. Resta saber quando esse tipo de inovação chegará na produção de conteúdo nacional, uma vez que mesmo os youtubers mais jovens parecem presos à fórmulas arcaicas de entretenimento.

Voltamos a qualquer momento com novas informações.

Sobre o autor

Entusiasta e divulgador da cultura muito popular. Escreve sobre os intrigantes fenômenos da TV e da internet desde 2002