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Streaming dá chance de redenção para novela "perdida" de Carlos Lombardi

Chico Barney

27/08/2018 09h27

(Foto: Divulgação)

"Pecado Mortal" foi a primeira novela de Carlos Lombardi na Record, depois de 7 anos de um injustificável hiato do autor na Globo. Para a tristeza dos apreciadores da boa teledramaturgia, também foi a última. E estamos desde 2013 sem novos trabalhos do criador de clássicos como "Kubanacan" e "Uga-Uga".

A história se passa no Rio de Janeiro dos anos 70. Versa sobre duas famílias de bicheiros brigando para tomar conta dos morros da cidade — e tem como fio condutor as desventuras de um homem misterioso no meio desse fogo cruzado.

Embora celebrada pela crítica, a novela foi um fiasco de audiência. Maurício Stycer levantou uma hipótese a respeito da situação.

Me pergunto se o problema não é justamente o que "Pecado Mortal" tem de melhor, ou seja, o seu texto. Inteligente, irônico e ágil, sem ser didático, exige atenção permanente do espectador. Sem fazer concessão ao politicamente correto, descreve de forma crua um mundo em que basicamente se luta por poder, dinheiro e sexo.

Nilson Xavier também enxergou qualidades para além dos números do Ibope.

"Pecado Mortal", longe de ser um sucesso, de audiência ou repercussão, cumpriu bem o seu papel – apesar dos pesares. Como já disse em outras ocasiões, é bom quando a televisão diversifica suas opções de entretenimento. E a história de Carlos Lombardi diversificou inclusive entre as produções da Record.

O destino da fascinante trama parecia ser o esquecimento. Mas agora há boas chances de se tornar uma obra cult. "Pecado Mortal" é uma das atrações do PlayPlus, plataforma de streaming da Record. Com uma programação bastante irregular, a emissora aposta no acervo e também em atrações de parceiros como a ESPN para cativar o público.

Ouso dizer que a novela de Carlos Lombardi deveria ser o carro-chefe da iniciativa. Meia década depois, talvez o amigo telespectador já esteja um pouco mais calejado, depois de tantas séries sobre crimes e outras desgraças na Netflix.

Obras importantes para a dramaturgia mundial não foram bem sucedidas em suas primeiras exibições, mas conseguiram ser redescobertas em avaliações mais cuidadosas posteriormente. Cito como exemplo "The Wire", pedra fundamental da nova era de ouro da televisão norte-americana que não chegou a ser um hit durante suas 5 temporadas na HBO, mas hoje é festejada por um séquito de fãs que inclui até o ex-presidente Obama.

Leia a seguir uma lista* com as melhores qualidades de "Pecado Mortal".

A volta do Pescador Parrudo

(Foto: Divulgação)

Fernando Pavão está excelente no papel de Marcos Pasquim. O protagonista Carlão é uma mistura de todos os últimos protagonistas de Lombardi na Globo: tem a melancolia do Lance ("Pé na Jaca"), a postura boa-praça de Dom Pedro I ("O Quinto dos Infernos") e a impetuosidade do saudoso Esteban Maroto ("Kubanacan").

Vilões de verdade

É uma história em que ninguém é totalmente bonzinho. Mas os vilões são sensacionais, com Jussara Freire no papel de sua vida, Paloma Duarte sempre irretocável, Felipe Cardoso mimetizando o que o Dom Miguel de Caco Ciocler ("Quinto dos Infernos") tinha de mais interessante e toda uma cambada de maus elementos.

Os mistérios Lombardianos

Durante boa parte da primeira fase da novela, o público não consegue saber direito quem o protagonista Carlão. O mais óbvio é que ele seja Marco Antônio, filho mais velho do bicheiro vivido por Luiz Guilherme, mas de vez em quando surgem umas pistas de que ele seria Ricardo Rocha, dissidente que sumiu no mundo depois de colocar a boca no trombone sobre os esquemas do chefão.

A força feminina

(Foto: Divulgação)

Muito se fala sobre os torsos nus dos heróis de Carlos Lombardi — e tá todo mundo sem camisa aqui também. Mas as mulheres de "Pecado Mortal" são formidáveis. Cheias de atitude e interpretadas por verdadeiras sumidades dessa indústria fundamental: Carla Cabral (ex-Carla Regina) e Lua Blanco (ex-Rebeldes) estão ótimas. E a protagonista Simone Spoladore também brilha em um papel que mistura o tom pueril de Lola (Adriana Esteves) em "Kubanaca com a admirável pujança de Marisol (Danielle Winits) da mesma novela.

Referências Marvel

São centenas de gracinhas envolvendo o apelido do Carlão, Poderoso Thor. Sempre erram o nome, numa brincadeira cativante com os adjetivos que fizeram a fama do Universo Marvel da época de Stan Lee.

O elenco que não está lá

Uma das minhas alegrias é ficar imaginando qual ator interpretaria cada personagem caso fosse uma produção da Globo. Tem os óbvios, que até já citei acima: Fernando Pavão é o melhor Marcos Pasquim em anos e a Simone Spoladore seria Adriana Esteves. Mas aposto que o bicheiro inimigo seria o Wolf Maya, as duas Julianas Didones seriam Danielles Winits, a Jussara Freire talvez fosse a Regina Duarte, o Picasso (Victor Hugo) seria o Humberto Martins, o Van Gogh (Heitor Martinez) seria o Rodrigo Lombardi e por aí vai.

Trilha sonora campeã

Apenas músicas de bordel dos anos 70, incentivando o clima de festinha que perpassa toda a ação. Ouça no YouTube.

Ritmo de seriado

Muito antes do Brasil ficar maravilhado com o frenesi das diabruras de Carminha escritas pelo João Emanuel Carneiro da época boa, nosso mestre Carlos Lombardi já era o rei do tanquinho nas telenovelas. Com ele não tem barriga, mesmo quando a novela dura quase 300 capítulos, como foi em "Kubanacan". Em um único capítulo da segunda semana de Pecado Mortal, para você ter uma ideia: o protagonista foi preso sob acusação de pedofilia; o jovem interpretado por Felipe Cardoso encheu a mãe Betty Lago de bolacha; e a própria, depois do ocorrido, tentou cometer o suicídio. É emoção que não tem fim, ainda mais aproveitando que todos os núcleos estão diretamente relacionados com a ação principal.

(*) Lista publicada parcialmente em texto no Medium em 2013.

Voltamos a qualquer momento com novas informações.

Sobre o autor

Entusiasta e divulgador da cultura muito popular. Escreve sobre os intrigantes fenômenos da TV e da internet desde 2002