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"Segundo Sol" é tão ruim que "Avenida Brasil" parece acidente de percurso

Chico Barney

21/10/2018 12h08

Carminha e Laureta: momentos opostos na carreira do autor (Foto: Reprodução)

João Emanuel Carneiro parecia o mais promissor entre todos os novos autores da Globo. Um sopro de esperança contra a mesmice, um ponto final nas fórmulas de outrora, um novelista anti-establishment.

Nunca fui muito fã de suas incensadas novelas das 7. Considero "Da Cor do Pecado" um dos epítomes da imbecilização que tomou conta da teledramaturgia nos anos posteriores, e "Cobras & Lagartos" uma triste página da história do nosso entretenimento.

Mas foram sucessos de audiência e mostraram que o escritor sabia rimar lé com cré, uma vantagem e tanto em um mercado competitivo como esse.

Veio a estreia no mais nobre horário de nossa televisão. "A Favorita" era divertidíssima, mas soturna como os melhores filmes do Supercine. Criou personagens inesquecíveis para os anais da era pós-bug do milênio, como Flora (Patrícia Pillar), Silveirinha (Ary Fontoura) e Dódi (Murilo Benício). Mas convenhamos: boa parte do apelo era o factoide criado em torno de quem seria a verdadeira vilã da história. Nada além de um castelo de cartas, um exercício narrativo.

"Avenida Brasil" foi arrebatadora. A mais bela sinfonia sobre a escalada de uma nova classe média no país que ainda encontrava-se em ebulição social. A histriônica Carminha (Adriana Esteves) era o destaque espetaculoso na jornada de sucesso do povo que ainda ousava acreditar "na rapaziada".

Era um mote de fácil absorção, a clássica história de vingança, com um filtro de extrema relevância factual. Não é à toa que se tornou um marco. Fora isso, atores como Murilo Benício, Eliane Giardini, Ísis Valverde e Marcos Caruso entregando os trabalhos de suas vidas. E o roteiro muito bem amarrado, dançando break em cima de obviedades e clichês da dramaturgia mundial. Tinha gancho em toda saída de bloco, um verdadeiro deleite.

Tufão e a família sentados à mesa, um marco da teledramaturgia nacional (Foto: Reprodução)

Eis que João Emanuel Carneiro, embebido pelo sucesso da obra anterior, apostou na escuridão com "A Regra do Jogo". Apesar do inegável talento de figuras como Tonico Pereira, Giovanna Antonelli e Alexandre Nero, a novela foi um retumbante fracasso estético, conceitual e também de repercussão. Quis dar um passo além nos tons cinzentos dos protagonistas, esquecendo que o sucesso de "Avenida Brasil" era justamente a facilidade de sua trama central.

Infelizmente a curva decadente, pelo menos sob o ponto de vista do bom senso, continuou acentuada com a atual "Segundo Sol". Apesar do começo muito interessante, não manteve o fôlego por tempo suficiente. Hoje é um arremedo de novela, cujo núcleo central não engaja e com histórias paralelas que convergem rumo ao oblívio.

O roteiro varia entre o ofensivo e o terrivelmente desagradável. São tantos problemas ao longo da produção que é um milagre que a Globo ainda exista. Por muito menos, "Brida" foi encerrada com uma apresentação de PowerPoint na extinta TV Manchete.

Karola e Beto Falcão na época em que a novela ainda tinha salvação (Foto: Reprodução)

Quando colocamos todo esse histórico na balança. fica parecendo que "Avenida Brasil" foi um ponto fora da curva. Talvez a grande falha dos trabalhos posteriores de João Emanuel Carneiro tenha sido a expectativa que criamos em torno de sua capacidade.  Não me parece justo imaginar que esteja no mesmo patamar de Aguinaldo Silva, Glória Perez e até mesmo de Walcyr Carrasco no panteão dos autores da Globo.

Não sei se os resultados razoavelmente positivos de audiência serão o passaporte para manter a vaga do autor intacta no horário das 21 horas. Com o borbulhante investimento no GloboPlay, é possível que Carneiro encontre novo ânimo em séries para a plataforma de streaming ou até mesmo um eventual retorno ao time das 19 horas.

Voltamos a qualquer momento com novas informações.

Sobre o autor

Entusiasta e divulgador da cultura muito popular. Escreve sobre os intrigantes fenômenos da TV e da internet desde 2002